sábado, 28 de fevereiro de 2009

O carinho

A câmera de tirar fotografias tentou, mas não emparedou o ar que passava fininho entre os dentes sorrindo. Não ouviu o som das buzinas em dia de final do Corinthians que nem a gente ouviu. Nunca vai. O olho passou e viu uma massa, e nem reparou no rastro de mofo da parede nua, encruada de noite após noite. E assim também, meu bem, são minhas palavras que tentam te abraçar, buscar esse momento que vai indo. A palavra não chegou pra dizer aquilo que é alegria de um jeito meio torto, sem sorriso nos lábios por ser mais profunda do que isso. A palavra acenou, em vão, cumprindo meio-dever. A palavra que me sai de vento da boca nem chega a ser brisa que comove. Por favor, aceite estas palavras como um abraço que eu dou sabendo da minha ausência: porém, preencha todos os buraquinhos entre nós com a sua imaginação, faça um recheio de ar que te sustenta a cabeça os ombros os músculos da tua pálpebra. Imagina só eu te dando um abraço inteiro, perfeito, que nem mesmo eu poderia te dar.


Para o vô Vete.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Zona Norte Show

um ritmo e poesia quebrado
sairiam desses morros sem fim
onde tem barraco tem terra
na Cantareira da serra
antenas entre pipocos loucos
brincando de combustão...
cantando o jogo do coringão.
só quem conhece o setentinha
o treme-terra, a brasilândia
só quem conhece a cachoeirinha
o piscinão, o damasceno
enfiando o pé nesse atoleiro
de cima a baixo,
criando caso, exausto,
é que consegue gritar:
inajar, dois olhos
de remediado espelho!

quem não se arrisca dorme cedo.

Meio-tom

Era um dia cinza de São Paulo, cinza mesmo, meio-tom de céu destoando da arruaça que movimenta o Centro. Liguei pra ele me acompanhar, que sozinha ia ser ruim demais. Fazer correria, andar que nem formiga nessa cidade fria. Fomos meio assim atrasados, a chuvinha fina ia comendo o resto de quentinho da blusa, mal cabíamos no guarda-chuva de bolinhas. Rua Direita, Largo São Bento, do Paissandu, Santa Efigênia. Moço que canta, moço que faz embaixadinhas, moço que tá no trecho e chora... chora. Buscamos o preço que posso pagar, buscamos um teto pra fugir da ventania, buscamos conversar nessa barulheira. Zanzada, zonzeira, a fome aperta: É um e noventa, é dois e cinqüenta. A bixiga também pede, no meio da rua comercial. E no meio desse fuzuê meu mundo pára pra ouvir o carinho, voltando meus ouvidos prum ninho perdido... Ninguém que passava na Praça da Sé parou, nem o corneteiro, nem o camelô.

- Vamos procurar um lugar limpinho (disse ele cafunezando os meus cabelos).

O tempo estancou, parou de correr aflito pra estalar num beijo gostchoso.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Arruaça é a puta que o pariu.

o Jornalismo canalha não para.
Expõe protesto como arruaça, como bagunça, e em nenhum canal, em nenhum jornal explicaram que tudo começou por um atropelamento.
Paraisópolis não pode se manifestar, manifesto é ter trailer lotado de gente fantasiada na Paulista.
Paraisópolis não pode achar ruim de ter mais um menino morto por causa de uma simples lombada ou um sinal, tá faltando farol em São Paulo? acho que não, vai pro Jardins, vai pro alto de Pinheiros e você vai ver onde eles se concentram, para evitar que o boy com a cara cheia de álcool, coca, maconha volte da balada e corra algum risco.
aqui! pancada, rojão, pneu queimado, tudo isso pra mostrar pro estado porco que agente dá valor pra uma vida.
fotos fotes, notícia quente, e nenhum morador falando, só as cenas de confronto, quando os robocops chegaram, com medo...medo sim, de que os favelados fossem para o vizinho, famoso "Morumby".
Num esquenta "ortoridade" que ninguém ainda se tocou que devia querer mais, dessa vez passa batido, só querem um farol.

abaixo carta da União de Moradores de Paraisópolis.

Os moradores da comunidade de Paraisópolis enfrentaram nesta segunda-feira, 2 de fevereiro, um dia marcado pela irracionalidade.
Carros queimados, bombas e tiros trocados impediram que trabalhadores saissem de suas casas e crianças voltassem de suas escolas.
Milhares de vidas foram colocadas sob um imenso risco.
A União dos Moradores lutará com todas as suas forças para que essas cenas nunca mais voltem a se repetir em frente as nossas casas e ao lado de nossos filhos! Gilson RodriguesPresidente da União dos Moradores e do Comércio de Paraisópolis

PS: vamos usar os nossos canais de informação para isso, para mostrar o outro lado dos acontecimentos, essa é a grande vantagem dos blogs.

por Ferrez

o que me atravessa



me atravessa na cidade, esse asfalto
cor de pó roxo, esse engodo
todo

me atravessa a catraca, a potranca
do alto-falante, a pipoca o
estouro

do motoboy, me atravessa a tristeza
do mar longe, da árvore verdejante
dinheiro

me atravessam os pedestres falantes
a loja gritante, as putas e mães
passistas

me atravessa um risco no meio, um olho
que vê o feio e uma parcela de bonito
arisco.




www.flickr.com/photos/puta_madre