sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

O olho da mulher - Gioconda Belli

"Cheia de grânulos.
áspera de vida."

Assim me sinto: crespa de alegria de ver o trampo quase finalizado. Em março, ele vai ser livro-vivo, de sentir na palma da mão. Mais que isso, traz consigo tremores, pra quem com o peito aberto receber as emanações nicaraguenses-revolucionárias dessa mulher porreta. Tem presença Silvio DiogoAllan da Rosa e Bethania Guerra.

Uma das ilustras que fazem parte, tá aí minha gente...



quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Xoxó!


Fazia um tempo que estávamos gestando a viagem. O projeto surgiu da vontade de conhecer esse pedaço de chão, no sertão da Bahia, de onde os poetas João do Nascimento e Zé Correia saíram. Sua poesia saiu de lá também: então fomos buscar na fonte. Os coletivos que se organizaram para ir, Sarau da Brasa e Elo da Corrente, se fundiram criando o Elo em Brasa, que agora contavam com eu e Guma como agregados. Numa das reuniões (acho que a última) onde preparávamos as coisas para partir, estávamos todos elétricos falando pelos cotovelos. A Samanta levantou a mão (a Sá é uma pétala de rosa que carrega dentro de si faíscas de trovão). E ficou lá, com a mão levantanda. O povo falando, contando causo, a mão lá. Passados uns minutos, alguém gritou:

- "A Samanta quer falar!!!"

-"Gente, eu só queria dizer que essa viagem vai ser uma delícia!"




Nossa primeira parada foi em Salvador. Na entrada da cidade vi uma obra que me chamou atenção pelo choque material, mas não muito pela idéia. Uma cruz imensa feita de carros verdadeiros, que tinha escrito: PAZ no transito, ou algo assim. Nossa morada ia ser o Sankofa, onde acontece o Sarau Bem Black, e onde nesta noite iria acontecer um encontro de saraus. Colocamos nossas coisas em uma cozinha desativada, e nos preparamos para participar de uma reunião. Na verdade, eu fugi: fui comer um acarajé com cerveja. Estava cansadíssima. Nunca tinha ficado na Bahia, e chegar logo no Pelô foi um processo árduo. 1000 tretas.

Uma coisa que achei linda demais em Salvador foi a beleza negra, em opulência. Juliana mesma, conversando comigo falou que a gente na quebrada causa, o povo acha estranho. "Aqui somos só mais um!". É bonito, é rico. Em nenhum outro lugar tinha visto tanta força.
Depois do Sarau, comemos uma comida muito gostosa, que o Maca correu atrás para nós. O calor na Bahia é muito, mas aqui é fresco. Coloquei meu saco de dormir na varanda, vendo as estrelas. 


Cedo, depois do café, pegamos as vans para Chorrochó. Bom, pra começar vale dizer que gastamos quase nove horas pra chegar lá. Íamos parando no caminho já que tínhamos muitas bexigas e bocas pra cuidar, além de um bebê na barriga que rendeu uma dor nas costas fuderosa na Jú. Quanto mais a gente adentrava na caatinga, mais o calor pegava. Até que paramos em uma cidade pequena (não me lembro o nome) onde havia um larguinho cheio de bares e restaurantes em volta de uma grande bica. Achei genial: a diversão do povo era pegar as roupas de banho e ficar debaixo da bica, e depois tomar uma breja. Ali era o centro da cidade! Parecia miragem, entramos de roupa mesmo.
Senti em certos momentos que eu queimava por dentro, com a pele virando torresmo. Sipá nunca tinha visto tanto calor na minha vida.
Víamos pela janela a chuva lá longe na planície, direitinha, feito tromba mesmo. É bonito.


Quando chegamos em Xoxó a primeira coisa que ouvimos foi "Chorrochó foi onde Lampião nunca conseguiu entrar, só ficou arrodeando". Resolvi manter em segredo, mei que por precaução, sobre as intervenções que ia fazer. Percebi que nas trajetórias familiares, muita gente participou como oposição ao bando, e a coisa toda mexe com estórias as mais diversas. 

Ainda em Sampa comecei a pensar sobre algo que poderia propor lá em Chorrochó, além da experimentação com pintura. Comecei a pensar nos caminhos que levaram a gente até ali: dois migrantes abrindo veredas na periferia de São Paulo (Pirituba). A idéia de abrir caminhos ficou rondando, e veio cair na minha mão um livro onde constava informações sobre Zé Sereno, integrante do grupo de Lampião que nasceu em Chorrochó.
Aí, comecei a adentrar o mundo estético dos abridores de caminho por excelência. Uma outra preocupação minha era pensar na "paisagem" sertaneja enquanto relação de cores. Mexer um pouco com a paleta, trazer pontes entre as cores e deixar que significassem por si só. O bando de Lampião também tinha esse norte: no meio das plantas espinhentas, todas caindo para o amarronzado, a aparição de seres ricamente adornados, coloridos e dourados era no mínimo estranha pra quem queria se esconder. Pois era exatamente aí que a coisa toda ganhava sua função: ao se fazer imponentes, desafiava-se a condição humana mais corriqueira, e por tabela, a morte. Para entrar no bando, a pessoa também deveria saber bordar. O chapéu, o alto da cabeça, levava consigo símbolos centenários, dotados de grande poder místico. Na minha pesquisa, cada vez encontro mais e mais significados para esses desenhos, que serviam para proteger, fechar o corpo e guiar os caminhos e encruzilhadas. O Selo de Salomão, a Flor de Lis, a Cruz de Malta, delicadas flores e a lemniscata viraram recortes que colei com grude pelas ruas de Xoxó. Escolhi o papel de seda por sua delicadeza e efemeridade, dando um contraste da hora pro tema cercado de cabeças cortadas, violências e riscos.
Para mim, é de uma humanidade tamanha o universo estético do cangaço, é uma dignidade, é uma criatividade, que só podia dar na ponte que deu. É como aquelas flores bonitas de cores primárias, nos bornais de gente que mata.







O baile do DJ Edimilson foi combinado com a Cleonice, a moça que fazia nossas refeições em Xoxó, e que é dona de uma discoteca firmeza: "Tenda". Tem um chão de cimento queimado, aparelhagem de som e iluminação psicodélica. Aliás a comida da Cleo é uma delícia e tudo é caprichado, um dia volto pra agradecer. Bão, voltando ao baile, marcamos pra da tarde de domingo. No começo, tínhamos só nós e a família do Seu João, que trincaram com a gente. Depois, mais tarde o baile bombou. No dia anterior anunciamos no palco. 
Fiquei (e não foi só eu) com as pernas doendo de tanto dançar. A gente se acabou, porra!
O Dj Edimilson é o maior da hora. Ele tem um conhecimento sentimental-histórico da música brega de todos os tempos, puxa vários hits de sucesso que fazem a gente lembrar da nossa vida toda. Ainda toca até umas músicas que não são chamadas de brega, pelo contrário. Mas o mais da hora é que o DJ Féla da Puta não faz isso pra ser "cult" (odeio esse termo, mas vá lá). Ele faz porque gosta de tudo mesmo, com a mesma paixão. E a gente se acaba!

Depois do baile eu e as Lamparinas (o bando de cangaceiras femininas mirins que montei lá em Xoxó) ficamos brisando no ventilador: "DJ Féééééla da Puta". Tá, eu tava bem bêbada, não estava corrompendo crianças conscientemente.