quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Pequenas lições de desenho.


.
Quando eu era criança meus pais iam trabalhar e eu ficava na casa dela. Tinha medo no começo porque ela chegou do nada na rua da minha infância, com uma roupa muito asseada e um coque no cabelo. A pele preta, a casa nova enfeitada de crochê porque tinha acabado de casar. O chão de terra do quintal subia pelos joelhos, latinhas prateadas empilhadas eram as bonecas, formigas e vidros quebrados no piche. O fora só imensidão, mas eu gostava quando o telefone tocava e ela atendia. Ficava falando com a pessoa invisível do outro lado, rabiscando no bloquinho de notas com caneta bic.
Desenhava gaivotas de risquinhos. O Mar. E uma árvore estranha com escamas no tronco, folhas-peixe e bolotas de saudade penduradas. "Que árvore é essa?"
"Chama-se coqueiro".
Ficava olhando essa mulher enigma. Os rabiscos que fazia me davam notícia de um mundo de longe que eu só imaginava, vapor de cores na sola do pé.
Coqueiro.
.
Desenho forasteiro de mim.