quinta-feira, 28 de agosto de 2008

O pudim

Foi preso por um crime passional. Matou a mulher e o amante quando flagrou-os trepando em sua própria cama. Condenado a 15 anos de cadeia, foi direto para o Carandiru, sem escalas.
Sempre teve bom comportamento, não dava trabalho para os funcionários e todos os presos do pavilhão 7, onde morava, gostavam dele. Tinha nome, mas ninguém nunca soube qual era. Todo mundo o conhecia mesmo por Pudim, devido a sua maior especialidade na cozinha.
Realmente, o pudim que ele fazia era diferente. Derretia na boca, tinha um gosto adocicado que despertava em todos lembranças da infância. Ninguém passava batido àquele pudim. Dentro de uma cadeia horrível, aquilo era um manjar dos deuses. Todos os dias, depois das refeições aquele doce maravilhoso era disputado a tapa por ladrões, traficantes, homicidas e estelionatários.
Não demorou muito tempo para que os diretores da cadeia descobrissem aquela maravilha da culinária que era feita no terceiro andar do pavilhão 7. Em pouco tempo, Pudim foi trabalhar no setor administrativo da cadeia. Fazia pudim para funcionários, policiais, diretores e visitantes. Rapidamente seu prato ganhou fama e virou lenda no sistema penitenciário.
Graças a seu bom comportamento, Pudim tinha trânsito livre na cadeia, e isso foi muito importante quando se envolveu num plano de fuga com outros detentos. Ele conhecia os horários, os caminhos, e foi aprendendo aos poucos os pontos fracos da Detenção. Ele e mais 24 detentos escaparam por um túnel cavado perto do muro do pavilhão 2 e nunca mais foram vistos.
Os diretores, funcionários e policiais ficaram putos com aquela fuga, mas o que realmente lamentaram foi perder o já tradicional pudim de depois do almoço. Aquilo foi como um tiro no estomago de cada um deles.
Nessa época, o diretor da cadeia era o Luizão, um policial implacável que tinha o hábito de desafiar os bandidos mais perigosos para lutar boxe no “mano a mano”. Exímio boxeador, ele conhecia seu potencial e vencia a todos os seus oponentes, que desmoralizados por apanhar do diretor na frente de toda a bandidagem, nunca mais davam trabalho na cadeia.
Luizão não gostava de fazer só trabalhos administrativos e as vezes participava de operações na rua.
Certa vez, foi comandar um grupo de policiais numa operação para prender traficantes de drogas na fronteira do Brasil com o Paraguai. Era um trabalho difícil, e foram vários dias de campana na selva esperando que os bandidos aparecessem.
Depois de muita espera, cansados, sujos e com fome, desistiram e foram até a cidade mais próxima em busca de um lugar para comer. Chegaram em Fátima do Sul, cidade de três mil habitantes, que tem apenas uma rua asfaltada. Procuraram a única churrascaria do local e comeram como reis após tanto tempo no mato.
Depois da fome saciada, chamaram o garçom e pediram a conta. O garçom, muito simpático, disse que antes de sair eles não poderiam deixar de experimentar a sobremesa que era a maior especialidade da casa. Foi até a cozinha, voltou com um enorme prato de pudim e serviu a todos os policiais da mesa.
Quando sentiu aquele cheiro, Luizão começou a desconfiar. Deu a primeira colherada pra ter certeza. Aquela massa doce desceu tão macia em sua garganta que não haviam mais dúvidas. Pós a mão no coldre da pistola e chamou o garçom: “Isso está uma delícia, traga aqui o cozinheiro porque eu gostaria muito de cumprimentá-lo por essa maravilha de pudim”.
O cozinheiro saiu da cozinha, preparado para receber os elogios aos quais estava tão acostumado e não esboçou reação ao ver aqueles quinze policiais liderados por Luizão apontando armas em sua direção. Era ele mesmo, o Pudim do Carandiru, que estava foragido a dois anos, escondido em Fátima do Sul com a certeza de que jamais seria encontrado.
Desolado por tanto azar, Pudim voltou para cadeia graças ao que fazia de melhor. Dizem que depois disso, o pudim que ele fazia nunca mais foi o mesmo.


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