quinta-feira, 11 de setembro de 2008
Crime com Arte, Arte como Crime
Rafael PixoBomb estuda na faculdade de Belas Artes.
Ganhou uma bolsa de estudos.
Seu traço é composto por formas redondas e linhas retas.
Se formou na 3afeira. Para concluir o curso deveria apresentar um trabalho a ser exposto em uma das salas da faculdade, ao lado do trabalho de seus colegas.
Acontece que Rafael é pixador. Não se acomoda com a primeira resposta que o sistema lhe oferece. Devolveu aos colegas de faculdade o que cultivaram durante seu tempo lá, expôs uma obra que muita gente vai demorar a entender.
Um ataque de pixadores à faculdade. A nata da pixação, o time dos sonhos, que chegou e não teve dó: desceu a mão riscando paredes e janelas. O movimento artístico tomando de assalto a área acadêmica em seu berço. O feio risco contrapondo-se às Belas artes. Pixo não é para ser belo, é para agredir, chocar.
Rafael é conhecido na pixação por agir sozinho. Ontem estava acompanhado de diferentes grifes da pixação. Sacudiram prédios, janelas, muros, paredes e a alma dos presentes. Quem estava lá não vai esquecer dos mais de 40 que se espalharam por onde foi possível.
O que motivou cada um - protesto, ibope, adrenalina, revolta - não se sabe. Rafael seguiu à risca o conselho da professora que disse que seu trabalho de conclusão de curso devia “apavorar”, colocar para fora a raiva que carrega dentro de si.
Raivoso e cheio de idéias, Rafael usou a pixação como expressão da faculdade que diariamente o desrespeitava pela falta da educação formal. Os pequenos buracos na articulação de seus textos deram a força para colar suas idéias.
A sala central exibe os trabalhos de formatura dos alunos. Deveria também deixar lá sua conclusão de curso. Embora soubesse que tudo podia acontecer ” vai ser o que vier na hora, pixo não tem controle.”. Desceram do metrô e caminharam para a faculdade.
O bando chegou e entrou no primeiro prédio. A primeira faísca fez cor no ar, os caras entraram e atacaram a secretaria e saguão do prédio da faculdade de belas artes. Rafael seguiu. Tinha um objetivo.
A aluna com a mão no coração refletia “sabe, para muita gente 1500 reais não é muito dinheiro, mas para alguns alunos isso é uma grana.”. Em comum nenhum daqueles meninos sabe o que é gastar 1500 reais por mês numa faculdade. A maioria nem sabe o que é cursar uma faculdade. Vivem todos do lado de fora do mundo das belas artes.
Rafael chegou reto na parede branca, fim do biombo onde adormeciam fantasmas em fotos. A sala central exibia o trabalho de seus colegas de classe. Entrou encapuzado, agressivamente e sem violência. Tirou o spray e começou: “E vc que” está lá. Você que o quê? Não vai saber. Ele começou a escrever e foi interrompido. Uma senhora bateu repetidamente com um buquê de flores na sua cabeça.
A “dona da parede” gritava “só porque ele não tem um trabalho quer arruinar o dos outros. vagabundo, isso é coisa de quem não tem trabalho”, o empurrou uma, duas vezes, veio o namorado dela e deu um grande “chega para lá” no aluno-artista. A balbúrdia formada enquanto no verso de outro tapume um grande pixo deixava claro que aquele espaço estava sendo preenchido. Arte ataque.
Alguns presentes acharam que era performance. Depois invasão. gritos, pancadarias, frases reacionárias, coisa digna da ditadura militar. Tentavam agredir aquele que trouxe a maior agressão às suas vidas: a realidade.
A segurança agiu violentamente. Rafael não. Sua intenção era clara e não incluía agressão física. Estava lá para colocar em xeque a “arte burguesa”. Uma prateleira de pequenas vênus de chocolate para serem devoradas pelos presentes faz sentido? Um vídeo de nove minutos de uma pessoa seminua na floresta faz sentido? Letras e garranchos desenhados na parede, frases de protesto, a invasão e a transgressão do spray faz mais ou menos sentido? Qual deles faz sentido para você?
A entrada da faculdade virou um evento. A maioria dos pixadores conseguiu fugir. Os muros mostravam sua passagem pelo local. Os alunos que saíam da sala de aula encaravam a maior obra que já ocupou aquele espaço. Os pixadores promoveram uma verdadeira instalação-performance, melhor que tudo o que já se viu. Spray, rolinho, canetão. No muro do lado de fora da brilhava “às belas das artes”, na entrada do saguão jazia “Abra os olhos e verá a inevitável marca da história”, na outra parede o aviso “antes o barulho ensurdecedor”. Pixação é anarquia pura.
O burburinho do lado de fora demorou a acalmar. Houve pancadaria entre seguranças, estudantes de salto alto, pixadores. Rafael foi levado à salinha e só saiu inteiro porque a imprensa estava junto. Alunos bicho-grilo riam das três viaturas que apareceram: se fosse na ESPM, eles contavam, tinham chamado a SWAT. Outra aluna explicava que alguém do último ano tinha contratado uns pixadores para seu trabalho. A histérica berrava vagabundo. E teve gente que conseguiu ver naquilo a maior transgressão que a faculdade já presenciou.
Duchamp e mais uma leva de artistas estão se acabando de rir na tumba. Entre vênus de chocolate e o vídeo interminável de uma pessoa num jardim, Rafael ofereceu o que há muito a turma das belas artes não sentia: incômodo, desconforto, provocação. Ele colocou o dedo na ferida e ainda o fez com maestria
Rafael saiu de lá na viatura direto para a delegacia. Com ele CDV, pixador de linha de frente que chegou até a sala de trabalhos e deixou seu pixo marcado enorme. Mais quatro que participaram do ataque foram levados em outra viatura.
Na madrugada os programas policiais se apinharam na delegacia atrás dos meninos. Saiu nota no globoonline. O bom da arte é isso, cada um entende como quer.
Rafael em um “arte ataque”. Seu traço une a estética do wildstyle de nova york da década de 80 com as linhas da pixação paulistana, um dos maiores movimentos urbanos contemporâneos. Conhecido por sua habilidade em escalada, Rafael quer ser artista. Já é.
vejam as fotos e etc no site renatasim.wordpress.com
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Um comentário:
caralho!
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