domingo, 17 de julho de 2011

Comida de Vento

Essa estória se principia no início, e come o próprio rabo dando a letra do fim. Pois bem, é assim porque antes de toda aventura para contar eu tive que entrar no bichão chamado A-VI-ÃO!
Carolzinha nunca andou de avião, e é de espanto que encarei a coisa toda. Veja bem, espanto não é medo. Espanto é maravilha. Se tivesse medo ia de buzão, ora! Certa vez, quando trabalhava em um escritório em uma torre na cidade cinza de São Paulo, parei pra tomar um cafezinho e prosear um pouco com uma colega de trabalho que veio do interior da Bahia. Ela tinha quase seus cinquenta anos, e estava fazendo a contagem regressiva para ver o mar pela primeira vez.
Fiquei com aquilo: tem coisa que a gente faz velha pra ficar mais espantada ainda, aquilo corroendo nossa imaginação e quase explodindo a vontade.


"O mar é bonito demais, fica que nem umas faisquinhas brilhando, umas chispas avoando!"

E era, eu também acreditei naquela mulher feita. Pois acreditem em mim, andar de avião é ser comido pelo vento.
Vamos do início.
Meu pai queria ser da Aeronáutica. Piloto heróico. O sonho maior mesmo, que foi enterrado por causa de uma miopia. No dia 23 de junho estávamos lá, a família toda para nos despedirmos no pé da sala de embarque. Meio revivendo o sonho, através de mim. Agora eu ia saber, a emoção maior.



Virgem Santa! Minha Vó Maria rezando lá em Minas Gerais e eu aqui. Descobri: parece falta de ar a pressão aumentando; a gente come um pouquinho só, não tem nada de banquete; as aeromoças fazem que nem no filme; a nuvem é fofa; as cidades são estrelas brilhantes vistas de cima.


Agora eu fiz uma coisa grande, como fazer um parto é grande, como desmaiar. Agora eu voei! 


Tava quase terminando de desenhar esse moço, faltava só o carrinho, e ele embarcou.


Como pode o povo se acostumar? Achei estranho quando pulei da astronave direto em uma gelatina de ar quente e peguento chamada São Luis. Na viagem por terra a gente vai se acostumando com a mudança, a cidade muda, as pessoas vão tomando outra feição. O avião te cospe em outro tempo. Fiquei dias maturando a idéia: Tô em São Luis? São Luis?


Pois bem que dois dias antes de acostumar com a idéia de voltar, sou acordada por um sonho cabrêro. Minha mãe tinha ido viajar, comia um bolo de sustança, estava feliz e corada - eu senti. De lá, ela me dizia: Filha minha, eu tô aqui, aqui tá bom, daqui a pouco você vem encontrar comigo!


Rapaz, eu gelei. Pois a última coisa que quero é bater as botas, ainda mais em desastre feio. Já juntei tudo de ruim no saco da premonição, avisei meu mestre, meu amor, e dona Luiza (que vocês ainda vão conhecer). E fui.
O tal do avião era tão feito pra mim que não tinha número 13 na poltrona. Pulava direto do 12 pro 14 e a felizarda aqui teve de ser remanejada. Dá licença, dá licença... Me olhavam dois olhos espertos e alegres, debaixo de uma boina e fartos cabelos brancos. O homem indignado porque na revista estava escrito que Açaí se come salgado no norte. Onde já se viu? Colocar sal? Meu coração pulava mas nem vi a decolagem, entretida nesse senhor do alto de seus 70 anos, formado antropólogo e colecionador de lendas amazônicas. Entre histórias de desastres de avião teco-teco, naufrágio, relatos de pesquisas de campo e a grande lenda da cachoeira que virou saquê (histórias da imigração japonesa em Belém), o senhor me pergunta: Você acredita em Deus (aponta para a boina)? Sim, sim. E nele (mais incisivo para a boina)? Nele?
Demorou alguns segundos para entender a mensagem criptografada em um broche preso na aba, com uma carinha de extraterrestre de filme B. Ai meu Deus tava bom o papo, agora descambou. Nosso antropólogo tira uma carteirinha comprovando seu profissionalismo, pesquisador de campo na busca de Ovnis, e começa a deslanchar uma por uma as evidências de que Jesus é um E.T., os povos amerindios foram colonizados e tal. O moço que estava sentado conosco, guardando a janela não tirava os ouvidos da conversa, com olhos cúmplices para mim. Até que, de repente ele vira pra interromper. "Escuta, não tem uma lei que diz que um avião tem que ficar 3 km de distância de outro?" "Tem, claro!" "Rapaz, passou um aqui não tem nem 20 metros!!!"

BUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUUU

Tá vai, não era um Ovni. Mas pensa, eu sobrevivi! Tô contando essa história vivinha da silva e ainda tem muito mais, lá no Maranhão...


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